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Primeiro de junho de 2017: o fim da Era Verde?

Em história, as datas desempenham um papel grandioso. Servem-nos como faróis que demarcam os acontecimentos-chaves na imensidão da periodização histórica. Estes “entram para história” ora como grandes avanços, ora como lamentáveis retrocessos. Nesta linha, o dia primeiro de junho de 2017 há de ser lembrado pelas gerações futuras. Naquele dia, no belo e bem cuidado Rose Garden, na Casa Branca, a atual administração estadunidense anunciou a saída dos Estados Unidos da América (EUA) do Acordo de Paris (A.P.). Um retrocesso ... mais para este país que desse acordo sai do que para aqueles nele permanecem. Diante desse cenário, cabe-nos refletir: o que, de fato, representa a saída do A.P., dos EUA, o segundo maior emissor de gases poluentes? Estamos testemunhando o fim do referido acordo e, por conseguinte, a bancarrota dos esforços contra os efeitos adversos do aquecimento global?

Não estamos testemunhando o fim dos esforços de combate aos efeitos do aquecimento global. Talvez, em vista da ausência de mecanismos juridicamente vinculantes e coercitivos[1], poderemos assistir ao abandono – no pior cenário – do A.P., ou a rodadas de renegociação (como, aliás, o querem os EUA). O motivo é simples: o que diferencia o A.P. das mais de cinco centenas de acordos sobre mudanças climáticas que o antecedem[2] é a atual conjuntura da política internacional em relação à questão ambiental. Com efeito, em seu aspecto progressivo, o atual estado de degradação climática nunca foi tão preocupante. Corrobora esta afirmação o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) de março de 2017[3], o qual, entre outros dados, afirma que as temperaturas recentes têm estado acima da média verificada no período 1961-1990.

A comunidade internacional está ciente disso. No nível do indivíduo – pessoas como você e eu, por exemplo –, hoje, está mais disseminada a consciência de que adotar hábitos verdes é necessário. Com isso, sustento o que se segue: o que em nossos tempos se vive, em nível global, é o amadurecimento de uma “consciência verde”; uma “era verde”. Esta é criada e alimentada por significativas mudanças sociais, culturais, políticas, econômicas e, particularmente, educacionais, por que vem passando o mundo nas últimas décadas. E contra esses novos ventos rema a atual administração estadunidense.


Como sustenta Henry Kissinger[4], tal foi a preponderância que conquistaram os Estados Unidos no decorrer da primeira metade do século XX, que grandes decisões deveriam alinhar-se com o interesse nacional daquele país. Se fossem negociadas há algumas décadas, as ambiciosíssimas metas do A.P. não deveriam ser diferentes, particularmente quando se leva em consideração o nível de emissão de gases poluentes dos Estados Unidos (atualmente, 17,89%). Entretanto, a emergência à comunidade internacional de algumas dezenas de Estados independentes, no pós-Segunda Guerra, em função do processo de descolonização afro-asiática, assim como o fortalecimento de atores não estatais, impõe limites à Pax Americana. Ilustro a atual conjuntura do poder mundial citando, mais uma vez, Kissinger: “o que é novo sobre a ordem mundial emergente é que os Estados Unidos não podem nem dela se retirar, nem ela dominar (...) a nova necessidade é que um mundo que comporta diversos Estados de força comparável deve basear o seu poder em algum conceito de equilíbrio”.


A julgar estreitamente pelo unilateralismo de que está imbuída a nova American First Foreign Policy – da saída do país do Trans-Pacific Partnership (TPP), passando pelas investidas em forma de decretos contra viajantes de origem árabe, até o desmonte da estrutura pró-meio ambiente edificada pela Era Obama – percebe-se, ouso dizer; ou uma nostalgia por uma passado septuagenário, ou o desconhecimento dos meandros da política internacional, ou ambos, ou – e aqui os especialistas do tema farão melhor análise – razões pertinentes à psiquiatria. Em poucas palavras, os EUA remam contra a nova tendência da economia mundial. Caminham, se nesta direção persistirem, ao enfraquecimento político-econômico, criando um vácuo de poder que será (e já está sendo) preenchido por “Estados de força comparável” outrora inexistentes, mas que hoje são realidades.


Ademais, devem também ser consideradas as regras contidas no próprio A.P. Neste sentido, um “obstáculo” pode tolher a decisão estadunidense: o artigo 28. Pelo o que é posto por este artigo, a denúncia (isto é, o processo pelo qual um país abandona um acordo internacional de que faça parte) é possível “a qualquer momento três anos após a entrada em vigor para o signatário, através do envio de uma notificação escrita ao depositário do acordo”[5]. Para os Estados Unidos, o quatro de novembro de 2016 é a data da entrada em vigor do A.P. Uma vez transcorridos esses três anos (nov./2016-nov./2019), o referido artigo ainda estipula que “a retirada deve efetivar-se um ano após o recebimento, pelo depositário do acordo, da notificação de denúncia, ou em data posterior, como especificado na notificação de denúncia”[6] Daí conclui-se que o artigo 28, se respeitado, permitirá aos EUA a saída do acordo em fins de 2020. Nesse ano, os EUA já estarão prestes a optar ou pela continuidade do já turbulento e ferido mandato do atual presidente, ou pela ruptura, elegendo outro candidato.


Conclusivamente, sustento isto: consumada ou não a saída dos EUA do A.P., a “era verde” que atualmente se vive não conhecerá sua falência. Exemplo disso tem sido oferecido pelas recentes demonstrações dadas pela China e pela União Europeia. O eixo Bruxelas-Beijing, responsável por 31,59% das emissões de gases poluentes (sozinha, a China corresponde a 20,9% das emissões), anunciaram em fins de março de 2017, o desejo de liderar a luta contra o aquecimento global, a despeito da descrença estadunidense na questão climática[7]. Isso não quer dizer que a luta contra o aquecimento global não poderá ser afetada por causa da saída do segundo maior emissor de gases poluentes. Como exposto, mesmo no cenário em que se abandonaria o A.P., a aceitação do impacto das ações humanas sobre o meio ambiente é fato consumado e faz parte da consciência de muitos das potências cujas ações políticas podem pesar favoravelmente nesta era verde que vivemos.


No momento em que escrevo este texto (23/06/17), 149 Estados já ratificaram o A.P.[8] Se do total de emissões globais descontarmos apenas os Estados Unidos (mesmo que países de peso como a Rússia, que é responsável por 7,53%, ainda não tenha ratificado o A.P.), temos 82,11% das emissões. Por fim, ainda sobre as duas centenas e meia de ratificações do A.P., se as comparássemos com os pouco mais de três dezenas de país que inicialmente ratificaram o Protocolo de Quioto (fins de 1997), além dos mais de cinco anos que se levou para sua entrada em vigor (fevereiro de 2005), percebe-se, uma vez mais, a favorável conjuntura internacional que estamos vivendo. Não estamos testemunhando o fim dos esforços de combate aos efeitos do aquecimento global.


______

[1] Inexiste, nos 29 artigos do Acordo de Paris, qualquer mecanismo juridicamente vinculante. Deste

modo, o cumprimento da ambiciosa meta posta pelo artigo 2 – Holding the increase in the global average temperature to well below 2 ºC above pre-industrial levels (…) to limit the temperature increase to 1.5 ºC above pre-industrial levels (…) – está a cargo do que é posto pelo artigo 15 – (…) a mechanism to facilitate implementation of and promote compliance with the provisions of this Agreement (…) that is transparent, non-adversarial and non-punitive (…). Os artigos 13 (políticas de transparência), 15 (apresentação de um relatório de levantamento global a cada cinco anos a partir de 2023) e 16 e 18 (criação de órgãos subsidiários ao acompanhamento da implementação do Acordo) são os que mais se aproximam de um mecanismo que exortam os Estados à conformidade integral com o Acordo, todos, também, não vinculantes e não punitivos.


[2] O assustador número é apresentado por Anders Corr em seu artigo “Expect Climate Catastrophe: Paris Agreement Lacks Enforcement”, publicado na revista Forbes, em primeiro de dezembro de 2016.


[3] « Les températures ont été au-dessus de la moyenne 1961-1990 sur la vaste majorité des terres émergées, les seules exceptions significatives ayant été une région d’Amérique du Sud centrée sur le cœur de l’Argentine, et des zones du sud-ouest de l’Australie ».


[4] Kissinger, Henry; “Diplomacy”, 1994, p.19.


[5] Artigo 28: “At any time after three years from the date on which this Agreement has entered into force for a Party, that Party may withdraw from this Agreement by giving written notification to the Depositary”. (tradução do autor), https://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf.


[6] Artigo 28“Any such withdrawal shall take effect upon expiry of one year from the date of receipt by the Depositary of the notification of withdrawal, or on such later date as may be specified in the notification of withdrawal”. (tradução do autor), https://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf.


[7] http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/30/internacional/1490872926_817917.html


[8] Paris Agreement Ratification Tracker; http://unfccc.int/paris_agreement/items/9485.php.

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